Relações digitais: como humanizar os contatos em tempos de reclusão
Em tempos de quarentena, em que grande parte da população mundial precisa ficar isolada em suas residências para manter o distanciamento social, as relações digitais se tornaram mais frequentes. Pessoas que não faziam uso mínimo da tecnologia em suas relações passaram a conectar-se para estar virtualmente presentes com o parceiro, a família, os amigos, o trabalho.
Com a do distanciamento, dois grandes impactos podem ser observados, de acordo com Luana Menegatti, psicóloga: “o não poder estar fisicamente próximo de quem se gostaria e o não poder fugir de relações difíceis quando elas estão dentro da própria casa”.
Vivemos uma época em que se observa uma tendência maior à superficialidade das relações, comumente associada à tecnologia. Isso é resultado de mudanças econômicas e culturais, que impõem pressa, elevado nível de exigência e a liberdade individual acima do cuidado com os relacionamentos, e a empatia com os limites do outro e até os pessoais. “Seja nos contextos de trabalho, família, amizades ou relacionamentos, é possível ver o impacto dessa superficialização”, afirma Luana. A psicóloga explica que, consequentemente, quando se fala em relações digitais, é comum a ideia de que “falta algo”. No entanto, para alguns, a intensidade da relação não requer o toque, o abraço, o beijo, a presença física. Para outros, essa é a morada da intensidade. “Quando falamos de relações digitais não estamos falando de faltas necessariamente, mas de mudança de paradigma. Para aqueles que, ao precisarem se relacionar virtualmente sentem que há uma falta, a origem dela pode ser tão diversa quanto a sua solução”.
“Aqueles que não podem estar fisicamente próximos de quem desejam, muitas vezes buscam formas de manter a relação de forma virtual. Conversas, vídeo chamadas, formas de desenvolver atividades juntos. É possível que as pessoas se deparem com a percepção de não ter suficiente proximidade ou interesse para continuar ou estabeleçam uma nova forma de vínculo”, explica Luana. “Já aqueles que não podem fugir das relações que vinham evitando precisam desenvolver novas habilidades, seja para suportar, seja para melhorar a forma de se relacionar”.
Exemplos disso são os casais com dificuldade para lidar com seus problemas conjugais; mães e pais que precisam passar dias inteiros com seus filhos e ajudá-los com todos os seus limites e dificuldades comuns às crianças e aos adolescentes; filhos descobrindo como é a rotina com os pais.
“As relações digitais são um fenômeno observado já há algum tempo. É necessário entender o que mantém essas pessoas conectadas para além da virtualidade. Valores, planos, desejos, a satisfação oferecida um ao outro, um horizonte de futuro. Para alguns, esse modelo de relação nunca será possível, para outros é o ideal. E há as pessoas que irão se adaptar, pois acaba se tornando a forma possível de perpetuar um relacionamento”, analisa a psicóloga.
Ainda segundo Luana, uma particularidade das relações de trabalho é que em alguns setores, o formato home office vem sendo preferido há algum tempo por ser considerado mais produtivo e econômico. A empresa pode contratar pessoas além do que comporta a sua estrutura física e os trabalhadores passam a ter menos exposição a fatores estressores do dia a dia como trânsito, relações formais, dress code, limitações de horário, e isso lhes permite ser mais produtivos e satisfeitos com a atividade. No entanto, também não serão todas as pessoas ou todas as atividades que se adaptarão à virtualidade plena”, explica.
Para Luana, é impossível prever como será o mundo pós-pandemia, mas é possível dizer com razoável tranquilidade que muitas mudanças irão ocorrer no modo de vida de uma forma geral. “As relações e os códigos de conduta sociais estão se reinventando neste momento e seguirão esse caminho por algum tempo ainda. Podemos ter mais pessoas sedentas por intimidade em suas relações assim como podemos ter mais pessoas com aversão à proximidade. Será necessário tempo para compreender as mudanças e seus impactos nas relações e na saúde das pessoas”, finaliza.